No final de Novembro de 2023 eu tive a oportunidade de ser speaker na Conference Agile Spain para partilhar um case de quanto fui responsável por criar uma Business Unit de outsourcing de profissionais ágeis e o que eu fiz para criar uma cultura agile na equipa. Este artigo é uma explicação do case que apresentei na CAS. Bora lá então!
Sempre que estou a conversar sobre Agilidade em Portugal me perguntam quais são os principais desafios que temos por aqui e naturalmente eu cito alguns desafios que já consegui superar e outros que ainda estou a trabalhar para tentar superar.
Entretanto, um dos desafios que me deparo por aqui com frequência é de como criar uma “cultura agile” em equipas quando temos uma modelo de contratação via outsourcing bastante alargada?
Mas o que é cultura agile?
Na minha opinião, é ter espírito de equipa, se auto-ajudar, colaborar com objetivos e propósitos da equipa, fazer melhoria contínua e adaptar/melhorar o que for necessário. Além disso, utilizar as melhores técnicas ágeis para desenvolver o trabalho para entregar resultados e valor ao negócio e utilizadores.
Bonitas palavras, pois não? Parece básico e até meio “old school” mas é muito difícil criar e manter esse modelo de trabalho em equipas em que cerca 70% das pessoas não são funcionários diretos e sim, sub-contratados de uma empresa de outsourcing.
Atenção que não estou a falar mal do modelo de Outsourcing, até porque desde que eu cheguei aqui em Portugal (Dez/2018) eu trabalho neste modelo. Entretanto é algo que temos que levar em consideração ao trabalhar nas equipas.
Além disso, a quantidade de vagas abertas, colaboram para um alto turnover de colaboradores, sejam eles ágeis ou não. Vejamos alguns números:
Em Outubro de 2022 existiam 1470 vagas de Agilidade abertas no LinkedIn sendo que em Novembro de 2023 eram 386 vagas abertas.
Apesar da redução de 74% de vagas abertas entre 2022 e 2023, ainda sim são muitas oportunidades disponíveis e quem não está feliz em “seu cliente atual”, está concorrendo por essas vagas.
Perceba o que eu escrevi: “seu cliente atual”. O que isso quer dizer? Isso significa que quando a pessoa não está satisfeita com o cliente/projeto que está trabalhando, ela decide trocar de emprego.
Apesar disto parecer comum (trocar de empresas), o contexto aqui é outro pois a pessoa trabalha numa empresa de consultoria de outsourcing e o cliente é “apenas” um projeto momentâneo que a pessoa está a trabalhar. Em alguns casos, a pessoa avisa na consultoria que deseja trocar de cliente, mas não é tão simples fazer o job rotation entre clientes e com isso o funcionário pede pra sair.
Isso posto, taí o desafio: Encontrar pessoas, contratar, criar pertencimento na cultura da consultoria e não do cliente, manter a motivação das pessoas e gerar resultados para os clientes e para a consultoria. #Complicado. Mas eu vou contar o que eu fiz e os resultados que obtive.
Encontrar e contratar pessoas
Encontrar profissionais e alinhar um “match” de perfil, experiência, certificações, e salário é bem difícil. Na época tínhamos vagas abertas, mas eu ficava de olho em pessoas que encontrava nos meus workshops, talks, ou eventos que participava pois volta e meia alguma pessoa me saltava os olhos e eu puxava para conversar sobre oportunidades.
Mas ainda sim não era o suficiente, então tive a ideia de criar os Agilions, que foi um programa de formação de profissionais Ágeis. Do Zero! Então eu abri a vaga no LinkedIn, recebi centenas de currículos, selecionei cerca de 45 perfis e entrevistei quase todos, um por um.
O que eu estava a procurar não era um currículo “impecável” mas sim, pessoas que apresentassem o desejo e capacidade de aprender e crescer profissionalmente. Eu chamo isso de “mordedor de orelha”, que é uma pessoa com garra e muita força vontade que agarra uma oportunidade como se fosse a única e última e vai fazer o seu melhor para performar.
Ao final do processo de seleção eu encontrei 2 pessoas com este perfil mas como era um programa novo e experimental eu contratei uma das pessoas e a 2ª pessoa eu avisei que eu queria contratá-la mas que precisaria aguardar uns 3 meses até eu validar o programa.
Portanto, a parte de encontrar pessoas estava check.
Criar Pertencimento e Motivar
Entramos na parte mais difícil da coisa: como criar pertencimento nas pessoas que estão a trabalhar com os nossos clientes?
Para começar eu criei o programa de mentoria onde os 3 profissionais mais Seniores ficaram responsáveis por mentorar a equipa.
Além disso, eu criei um baseline de plano de carreira profissional para Scrum Master, Product Owner, Agile Coach, Product Manager e Business Agility.
O plano de carreira continha livros, artigos, formações e “tudo” que achava relevante para o crescimento profissional dos papéis citados acima, mas também tinham frames com atividades individuais que o mentee atuava junto com o mentor como plano de capacitação profissional.
Em resumo, cada pessoa tinha o seu mentor, o seu Miro e o seu plano de carreira, que frequentemente era visitado, validado e atualizado pela dupla de trabalho.
Apesar de ter um baseline do plano de carreira, ele era totalmente customizado pela dupla com o foco nos objetivos do Mentee. O plano nada mais era um convite de conversa entre a dupla mas principalmente um “actionable” para orientar os mentees em suas formações profissionais.
Outra ação que implemente foi o “Self-Onboarding” que é outro Miro mas que continha as informações de cada pessoa da equipa:
Nome e Data de Nascimento;
Lista de coisas que posso ensinar;
Lista de coisas que quero aprender;
Minhas Regras;
Minha Personalidade;
Vídeos e Conteúdos de algumas CoPs (Comunidade de Práticas) que realizamos;
Job Description de cada um dos papéis da equipa no modelo: É, Não É, Faz, Não Faz;
Apesar de estar bem estruturado e de ser fácil de entender e atualizar, o Mentor era responsável por apresentar o board ao Mentee, que deveria conhecer as pessoas da equipa e atualizar com as suas informações. O mentor também fazia o papel de “Buddy”, que era responsável pelo onboarding do mentee na empresa.
Mas não para por aí, pois implementei mais ações para criar pertencimento:
Post no LinkedIn de boas vindas aos novas pessoas;
Utilização ativa do Discord como ferramenta de comunicação interna;
Canal de Kudos para agradecer e dar parabéns aos aos colegas por algum trabalho realizado;
Encontros de equipa no escritório para trabalharmos juntos e criar engagement;
Utilização do Happy Meter para medir a felicidade e satisfação das pessoas;
Utilização de OKRs com a participação de todos os colaboradores na construção e execução;
Uma nota importante é que todas essas ações foram implementadas pouco a pouco mediante ao momento em que estávamos e qual problema queríamos resolver com a ação.
Gerar Resultados
Este é um ponto importante que temos de levar em conta no Agile: Gerar Resultados. Se não tivermos como conectar nossas ações ágeis com resultados, estamos tramados.
Neste caso, nós tivemos muitos resultados positivos para a empresa, pessoas e clientes sendo o que foi mais importante de todos (na minha opinião) é que o modelo de mentoring e formação de pessoas foi validado, aprovado e estava dando certo.
Lembra que logo acima eu disse que havia contratado uma pessoa e que a segunda pessoa tinha ficado em stand by? Pois bem, ao final de 2022 já tínhamos 3 pessoas dentro da empresa no programa de mentoring / formação de carreira Agile.
Além disso, essas 3 pessoas já estavam a trabalhar em clientes, em equipas ágeis e a entregar resultados expressivos tanto para o cliente, quanto para nós.
Entretanto tivemos outros resultados positivos;
Maior engagement das pessoas em ações da empresa:
Artigos;
Formações;
Mentorias;
Índice Happy Meter sempre a bombar;
E quando algo “ruim” era reportado, o mentor(a) na mesma hora entrava em campo para atuar e ajudar o mentee;
Tava de tempo de retenção de pessoas alta;
Taxa de turnover baixa;
Clientes Satisfeitos (NPS 9);
Crescimento do Headcount;
Resultados financeiros positivos (ROI):
Percebam a ORDEM que as os itens foram listados pois é aqui que tem o “pulo do gato”;
Pessoas felizes são mais “engajadas”;
Pessoas engajadas aumentam o tempo de retenção de profissionais e fazem um excelente trabalho no cliente;
Excelentes profissionais fazem clientes felizes;
Clientes felizes renovam contrato e indicam para outros clientes;
Renovação de contrato e novos clientes aumentam o Headcount;
Renovações e mais clientes, geram mais resultados de Negócio;
A mágica é simples (mas dá trabalho): Foque em manter seus funcionários felizes, crescendo e sendo bem recompensados pois se as pessoas estiverem felizes, o sequenciamento de resultados é “garantido”.
Para concluir quero deixar alguns takeaway relevantes:
Nem tudo é um mar de rosas, logo, sempre terão pessoas que não vão”engajar” você terá que tratar essas pessoas de maneira apropriada sem excluí-las do sistema;
Não é simples e/ou fácil gerir e liderar pessoas. Isso dá trabalho e requer dedicação e empenho. Portanto se prepare, estude e se dedique caso queira seguir com algumas das ações partilhadas;
Partilhar a estratégia da empresa com as pessoas é importante, entretanto elas perceberem que o trabalho delas impacta positiva ou negativamente os resultados é mais importante ainda;
Comunicação clara e frequente ajuda em manter as pessoas envolvidas e participativas;
Crescimento profissional deve ser levado em conta por ambas as partes: funcionário e empresa. É muito importante ter um plano de carreira na empresa coerente e que seja factível (incluir remuneração);
Celebrar conquistas é importante e cria o sentimento de equipa e colaboração;
Meça os resultados gerados. Não adianta eu fazer alguma ação, seja ela qual for, se eu não puder medir e saber se estamos indo bem ou mal. Ainda mais no Agile, que anda com pouca credibilidade por “não entregar resultados”.
Espero que tenham gostado do artigo e que postem suas opiniões.
Nos vemos nos próximos artigos mas lembrem-se de se inscrever em nossa newsletter para receber nossos conteúdos e novidades.
Até breve.
Referências:
Autor: Ricardo Caldas
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